Waves J37 Tape

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Som de fita no computador

Quanto mais a tecnologia digital avança, mais ouvimos falar sobre o mundo analógico. Um dos assuntos favoritos continua sendo o uso de fita em estúdio. Não poderia ser diferente, pois o jeito como as frequências e os transientes são afetados pela mídia magnética e pela própria máquina é mesmo especial. Para aqueles que não têm a sorte de colocar as mãos no equipamento de verdade, há plugins simuladores de diversas marcas. Depois de lançar o Kramer Master Tape, baseado em uma máquina dos Olympic Studios, a Waves fez sua versão de uma das maiores relíqueas de Abbey Road.

História

O J37 foi o primeiro gravador multipistas feito pela Studer. O projeto elaborado pela empresa suíça em 1964 saiu do papel no ano seguinte com quatro unidades encomendadas pelos estúdios Abbey Road. A máquina escolhida pela Waves para servir como molde para o plugin foi a primeira da série, um clássico absoluto. O equipamento usado nas sessões de Sgt. Pepper’s Lonely Heart’s Club Band e de inúmeros outros discos antológicos continua funcionando perfeitamente até hoje (fig. 1).

fig. 1 – Studer J37

A excelência da engenharia se estendia ao design do produto, que melhorava a relação com o usuário. Por serem menores que os gravadores multipistas Telefunken usados até então em Abbey Road, os J37 não precisavam ficar em uma sala separada. Com o operador de fita em contato direto com o produtor musical, o jeito de trabalhar mudou. A comunicação entre a equipe e a exatidão da máquina deixaram fácil fazer emendas de um jeito que era quase impossível anteriormente. Não demorou muito até os técnicos do estúdio começarem a ligar duas J37 em sincronismo para aumentar o número de canais, dando condições para a gravação de camadas sobrepostas em arranjos como os de George Martin. É um belo exemplo de evolução das ferramentas de trabalho abrindo novos caminhos para a criatividade.

Plug-in

A idéia da Waves foi criar novas possibilidades para o J37. Certamente o som do simulador não é igual ao da máquina original com suas 52 válvulas. Por outro lado, no plug-in (fig. 2) há vantagens como o delay facilmente seguindo o andamento da música na divisão de tempo que você quiser. Os antigos “defeitos” de wow e flutter agora aparecem como convidativos “efeitos” sob total controle. Ao contrário de outros simuladores de hardware, o J37 virtual foi pensado para sair dos padrões de uso do J37 real.

fig. 2 Waves j37 tape

Fórmula

A personalidade de uma máquina varia de acordo com o tipo de fita que está passando por seus cabeçotes. A Waves recriou três fórmulas desenvolvidas pela EMI para uso exclusivo em seus estúdios (fig. 3A). A 888 é a mais antiga, do começo dos anos 60, com bastante distorção harmônica e perda de agudos. A 811 veio no fim daquela década trazendo um som um pouco mais limpo e menos velado. A 815, do começo dos anos 70, é a mais flat entre elas. O comportamento dos transientes é consideravelmente diferente em cada uma das fórmulas.

fig. 3 – Setor_principal

 

Velocidade

Ao lado dos botões de fórmula encontramos as opções de velocidade da fita (fig. 3B): 7.5 ou 15 polegadas por segundo. Qualquer mídia física rodando mais rápido vai usar um espaço maior para armazenar a mesma informação, consequentemente melhorando a qualidade do som. Nas fitas analógicas a resposta não linear das frequências muda de acordo com a rotação. Em 7.5 há um reforço nos graves e atenuação nos agudos. A velocidade dobrada oferece um timbre mais equilibrado, diminuindo a distorção harmônica, aumentando a fidelidade nas altas frequências e subindo o ruído em uma oitava, o que facilita o corte com filtros passa-baixa.

Bias

Os ajustes de bias também são relacionados ao comportamento não linear da fita. Como a mídia magnética não trabalha bem em níveis muito baixos, um sinal ultrasônico é adicionado para manter suas partículas em movimento. A intensidade com a qual a frequência inaudível é aplicada altera o grau de distorção e a curva dos agudos. O valor nominal do plug-in é +1.5 dB de bias, que pode ser aumentado para +3 ou +5 (fig. 3C).

In / Out

Todos os parâmetros dependem do quanto de sinal está chegando na fita. No meio da interface gráfica estão os controles de entrada e saída da máquina. Os VUs na parte inferior têm um seletor para representar uma ou outra etapa. A calibragem padrão de 18 dB para o headroom dos meters pode ser redefinida girando o pequeno parafuso na base da agulha. O botão de level link deixa o output relacionado ao input para compensar automaticamente qualquer variação de volume. Quem quiser radicalizar na sujeira tem à disposição controles independentes para ruído e saturação (fig. 4C).

fig. 4 – Setor_Secundário

Canais

No plug—in mono podemos escolher entre Modeled Tracks 2 ou 3 (fig. 4A). A primeira e a última das 4 pistas foram descartadas na análise da Waves pela instabilidade da localização nas bordas, mas entre as duas do meio ainda há uma sutil diferença. Em estéreo aparece uma terceira opção, a 2+3, que simula o crosstalk entre os canais, mudando o timbre e abrindo a imagem estéreo.

Efeitos

Variações de velocidade no motor de uma máquina de fita causam uma modulação de frequência conhecida como wow. A modulação de amplitude decorrente do movimento da fita em relação aos cabeçotes se chama flutter. Se a J37 original tinha o mérito de ser super estável e precisa para minimizar tais fenômenos, o plug-in propõe um raciocínio inverso. Dá para pegar pesado nos efeitos, que têm controles com grande expressão de rate e depth (fig. 4B). Em quantidade quase imperceptível eles ajudam a dar coloração de fita, em quantidade média vão bem insertadas em instrumentos que pedem vibrato ou tremolo, em doses exageradas viram um monstro psicodélico. Rodar os knobs de saturação, wow e flutter com uma senóide passando pelo plugin rende uma boa brincadeira de dubstep.

A parte de delay (fig. 4D) também é interessante. O botão de link deixa os lados direito e esquerdo juntos ou separados, enquanto o de sync deixa as repetições dependentes ou independentes do andamento da música. Ao lado dos filtros passa-alta e passa-baixa, temos os seletores de tipo de delay (slap, feedback, ping pong) e modo (insert ou send/return).

Conclusão

Os efeitos são ótimos, mas no final das contas o mais importante em um simulador de fita é a simulação de fita em si. A Waves não ficou parada nos anos seguintes ao lançamento do Kramer Master Tape, e o processamento mais pesado do J37 mostra que o algoritimo evoluiu. Apesar de ser difícil comparar versões de dois hardwares diferentes, posso afirmar que o som do J37 me agrada mais. Não há por que querer perder tempo querendo saber se é ou não “igual” o som de fita de verdade. Vamos pensar na prática, onde o J37 é uma ferramenta muito útil e versátil. São inúmeras possibilidades de textura, desde uma sutil arredondada nos graves e amaciada nos agudos até uma escancarada fritura lo-fi. Pode ser ainda uma alternativa aos compressores tradicionais para lidar com transientes. Vale experimentar o plug-in em canais individuais, em grupos, ou no master.

Abraços e até a próxima!

Autor: Bruno Spadale é engenheiro de som e produtor musical com formação em várias escolas no Rio de Janeiro e Nova Iorque . É certificado oficialmente pela Avid como um “Pro Tools Operator Music” e atua como instrutor da ProClass.